Compromisso assumido começa com a percepção clara da necessidade, passa pela geração de expectativas e só se completa quando se torna uma realidade concreta. Analisando essas etapas, constatamos a condição crítica dos bares e restaurantes no Brasil, através de dados objetivos.
Segundo pesquisa da Abrasel e dados do DataLab Abrasel em março de 2024, existem 1.401.167 CNPJs ativos nesse setor. Isso parece demonstrar um setor pujante, mas a realidade é que 39% destes negócios, ou seja, 546.455 empresas, estão afundadas em dívidas. E pior: desses, 72%, ou seja 393.447 bares e restaurantes de norte a sul do Brasil, estão devedores de impostos ao governo federal.
https://abrasel.com.br/noticias/noticias/prejuizo-bares-restaurantes-marco/
Como tudo tem sempre um ponto de partida, temos que retornar ao momento recente da Pandemia COVID19 que impuseram restrições e por diversos momentos até mesmo os fechamentos impostos por estados e municípios durante os meses mais críticos da pandemia. Naquela época, muitos estabelecimentos viram seu faturamento despencar, alguns chegando até mesmo a não faturar nada. Agora, as dívidas acumuladas em 2020 batem à porta, exigindo pagamento. Essa tempestade perfeita criou um cenário onde muitos se veem sem saída, procurando desesperadamente por soluções que possam trazer algum alívio.
Diante do quadro caótico surge a proposição do Projeto de Lei 5.638/2020, cuja justificativa traz a seguinte argumentação:
O PERSE – Programa Emergencial de Recuperação do Setor de Eventos é um conjunto de medidas que objetivam garantir a sobrevivência do setor – que precisa seguir honrando suas despesas - até que suas atividades sejam retomadas sem restrições, bem como gerar a capacidade econômica para que assim que volte a operar, o setor tenha condições de fazer frente ao capital de giro necessário, bem como a margem para cobrir todo o endividamento contraído no período em que ficou paralisado. Entre as medidas estão: crédito, preservação dos empregos, manutenção do capital de giro das empresas, financiamento de tributos e desoneração fiscal. (grifo nosso)
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1955749
que se transformou na Lei Ordinária 14.148/2021 cuja ementa traz textualmente:
Dispõe sobre ações emergenciais e temporárias destinadas ao setor de eventos para compensar os efeitos decorrentes das medidas de combate à pandemia da Covid-19; institui o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e o Programa de Garantia aos Setores Críticos (PGSC); e altera as Leis nos 13.756, de 12 de dezembro de 2018, e 8.212, de 24 de julho de 1991. (grifo nosso)
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14148.htm
Corroborando com a realidade dos fatos surge a Portaria nº 20.809/2020 do Ministério da Economia trazendo a lista dos setores econômicos mais afetados pela pandemia do novo coronavírus após ser decretado estado de calamidade pública no Brasil, decorrente da Covid-19:
Art. 1º Listar os setores da economia mais impactados pela pandemia após a decretação da calamidade pública decorrente do Covid-19:
VII - serviços de alimentação (CNAE 56); (grifo nosso)
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-20.809-de-14-de-setembro-d e-2020-277430324
A partir desse ponto começaram a surgir os percalços que referendam o ditado popular “ganhou, mas não levou”, uma série de questões jurídicas (tratarei disso em novo artigo) se impuseram na “vida como ela é” dificultando, e na maioria dos casos concretos impossibilitando a compensação prevista pelo legislador, tão necessária, aguardada e justa.
Dentre os inúmeros pontos de discussão quanto à interpretação legal e sua aplicação prática, um dos maiores embates está atrelado à exigência aos bares e restaurantes, dentre outras atividades econômicas, do Cadastro no Ministério do Turismo - CADASTUR, cadastro não obrigatório para bares e restaurantes.
Insegurança Jurídica
Observe o que podemos constatar nas decisões proferidas nos tribunais:
“Da análise do regime jurídico aplicável à cadeia produtiva do turismo – beneficiária do Perse –, os restaurantes, bares, lanchonetes e similares são espécies de serviços turísticos, ficando facultativo que tais empresas realizem seu cadastro junto ao Ministério do Turismo através do Cadastur”, considerou Vettorazzi. “Sendo facultativo, razoável concluir que não é o cadastro que qualifica o serviço como turístico, tão somente declara o desenvolvimento desta atividade perante o ministério competente”, concluiu o juiz, na decisão proferida sexta-feira (28/10). (grifo nosso)
https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=26406
Já em outro momento, cerca de 04 (quatro) meses após:
A sentença é do Juízo da 9ª Vara Federal de Florianópolis e foi proferida sexta-feira (17/3) em um mandado de segurança. “No presente caso, a parte impetrante tem como objeto social ‘restaurante, comércio atacadista de produtos alimentícios, comércio varejista de produtos alimentícios, lanchonete, casas de chá, sucos’, atividade eventualmente turística, e não comprovou estar inscrita no Cadastur anteriormente à publicação da Lei nº 14.148/2021”, diz a sentença. (grifo nosso)
https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=26816
Cada decisão judicial que varia entre diferentes interpretações adiciona uma camada de incerteza, tornando os resultados finais imprevisíveis. Essa instabilidade compromete seriamente a operação desses negócios, afetando passado, presente e futuro. Existem muitos outros exemplos dessa insegurança jurídica.
Manifestação dos bares e restaurantes
A Abrasel desde o primeiro momento assumiu o papel crítico e propositivo no alerta dessa situação e da necessidade da atualização do texto legal para espelhar a realidade dos fatos e dos objetivos do PERSE desde sua concepção.
"Nós esperamos que os senadores revejam essa questão do Cadastur para permitir que todos os estabelecimentos possam se beneficiar do Perse. O setor como um todo foi atingido pela pandemia de uma forma desproporcional, em função de restrições e fechamentos impostos. Mas o programa cria uma subclasse de empresários, que não terão ajuda mais uma vez. É um critério estapafúrdio, que repete erros do passado, como o de escolher empresas que receberão ajuda em detrimento de outras que têm de se virar sozinhas", afirma Solmucci.
https://abrasel.com.br/noticias/noticias/reinclusao-no-perse-e-boa-mas-mantem-injustica -com-quem-nao-esta-no-cadastur/
Compromisso do governo
A articulação política institucional da Abrasel surtiu efeitos gerando compromisso público do Líder do governo no Senado Federal, Sen. Jaques Wagner, fruto do entendimento e reconhecimento das consequências nos bares e restaurantes de todo Brasil.
O lider do governo no Senado, Jaques Wagner (PT/BA), recebeu ontem o presidente do PSD/ DF, Paulo Octávio, juntamente com os presidentes da Abrasel nacional, Paulo Solmucci, e no DF, Beto Pinheiro. Na reunião, Wagner disse que dará apoio à ampliação da cobertura do PERSE, programa de recuperação do setor de eventos, para uma parcela maior de bares e restaurantes. (grifo nosso)
https://blogs.correiobraziliense.com.br/capital-sa/2023/06/28/ajuda-fede ral-a-bares-e-restaurantes/
O líder Jaques Wagner garantiu que o governo Lula vai reabrir o prazo para cadastramento no Cadastur, para beneficiar mais empresas. (grifo nosso)
Fonte: Agência Senado https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/05/24/senado-apro va-mp-com-beneficios-para-companhias-aereas-e-setor-de-eventos
Wagner também afirmou que o governo Lula vai tentar ampliar os benefícios do Perse para restaurantes que não estavam cadastrados até a pandemia no Cadastur (Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos) --que é ligado ao Ministério do Turismo.
"Muita gente estava excluída porque não é tão comum as pessoas se inscreverem [no Cadastur]. Então nós vamos trabalhar para que esse prazo possa ser reaberto e que, efetivamente, essas pessoas possam se enquadrar", disse Wagner. (grifo nosso)
https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2023/05/24/interna_politica,1498296/sesc-e-senac-senado-aprova-medida-com-compromisso-do-governo.shtml
Situação Atual
O deputado José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara dos Deputados, apresentou o projeto de lei 1.026/2024 que prevê o fim do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) até 2027. O texto foi protocolado na quarta-feira, 27 de março de 2024.
A Câmara dos Deputados aprovou na última terça-feira, 09 de abril de 2024, o requerimento de urgência para a tramitação do projeto de lei 1.026/2024, do deputado José Guimarães (PT-CE).
Focando apenas na questão suscitada até então neste artigo (CADASTUR), apesar do compromisso público do governo, podemos verificar que permanece na proposta do projeto de lei a exigência do Cadastur:
§ 5º Terão direito à fruição de que trata este artigo, condicionada à:
I - regularidade, em 18 de março de 2022, de sua situação perante o Cadastro dos Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur), nos termos dos arts. 21 e 22 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008 (Política Nacional de Turismo), as pessoas jurídicas que exercem as seguintes atividades econômicas: restaurantes e similares (5611-2/01); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, sem entretenimento (5611-2/04); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, com entretenimento (56112/05); e (grifo nosso)
https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2424079
como se não bastasse, nota-se o surgimento de mais uma “condição”:
II - habilitação prévia da pessoa jurídica na Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda (grifo nosso)
https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2424079
Importância de um compromisso
Como se pode notar, ao final da análise das etapas de um compromisso: percepção clara da necessidade (consequência da pandemia), geração de expectativas (compromisso público de solução), e a realidade concreta (segurança jurídica), percebemos que estamos na fase final de discussão e aprovação pelo Congresso Nacional do novo texto legal do PERSE, portanto a tempo de transformar o compromisso público em realidade concreta impactando positivamente criando condições reais de sobrevivência aos 393.447 bares e restaurantes de norte a sul do Brasil.
Creio que estamos no melhor momento de transformar o compromisso em realidade!
Luiz Henrique do Amaral, empresário, advogado, pós graduado em Direito Empresarial, Digital e Compliance, Business Intelligence & Analytics, Master em Tributação & Inteligência de Negócios, Coordenador do Núcleo Jurídico da Abrasel na Bahia
As opiniões expressas neste artigo são exclusivamente do autor e não refletem necessariamente as posições de qualquer entidade associada. Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não constitui aconselhamento profissional.